Brasileiros rumo a Berlim concorrem com projetos de impacto ambiental e social
Um paraense e um amazonense irão representar o Brasil na etapa final do concurso Falling Walls Lab (FWL) em Berlim em novembro, ambos apresentando projetos com alternativas sustentáveis, como um cimento de menor impacto ambiental e o reaproveitamento de moléculas encontradas em plantas para a produção de materiais biodegradáveis. As etapas classificatórias em Fortaleza e Belo Horizonte destacaram-se pela diversidade científica, por muitas novidades e por dar oportunidades a novos cientistas e pesquisadores brasileiros também fora do eixo Rio-São Paulo.
Em meio a muitas ideias transformadoras e de diversas áreas do conhecimento aconteceram em Fortaleza em 20 de setembro, na Universidade Federal do Ceará (UFC), e em Belo Horizonte em 23 de setembro, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as etapas brasileiras classificatórias do Falling Wall Lab (FWL) 2019. Muitas novidades, surpresas e prêmios extras marcaram a quinta edição do concurso com atuação do Centro Alemão de Ciência e Inovação (DWIH São Paulo), organizador do Falling Walls Lab Belo Horizonte e parceiro do DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) no Falling Walls Lab Fortaleza.
Em comum, os projetos vencedores em cada classificatória focam em alternativas sustentáveis que impactam a vida das pessoas e do meio ambiente, reaproveitando materiais já existentes. Outra semelhança: o Norte do Brasil foi destaque e um paraense e um amazonense foram os grandes vitoriosos e irão representar o Brasil disputando a final mundial na Alemanha, além de participar da Falling Walls Conference, em Berlim, nos dias 8 e 9 de novembro. O programa de viagem dos ganhadores será complementado com outras atividades, como visitas a instituições de pesquisa e atividades de empreendorismo.
O escolhido pelo júri como o vencedor do FWL Fortaleza foi Micael da Silva, estudante de graduação de engenharia civil do Instituto de Tecnologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), que apresentou um projeto com o objetivo de desenvolver um cimento de menor impacto ambiental, evitando as grandes emissões de CO2 pela indústria do cimento. Seguindo pelo foco da sustentabilidade, o amazonense Victor Freitas, professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), em Minas Gerais, venceu o FWL Belo Horizonte propondo o reaproveitamento de moléculas encontradas em plantas para a produção de materiais biodegradáveis que vão desde remédios a carros, diminuindo a dependência do petróleo.
“Tenho grande admiração pela Alemanha, em especial por sua cultura, valorização da educação e avanço científico. É uma sensação gratificante e de grande responsabilidade ter o projeto escolhido para ser um dos representantes do Brasil na etapa final do FWL em Berlim”, declarou o paraense Micael da Silva, que aproveitou para explicar seu projeto que busca uma solução ambientalmente amigável e que pensa no futuro: “Vou representar nosso país colocando em pauta estratégias para reduzir os impactos do aquecimento global, poupando recursos naturais na produção de cimento e mitigando os impactos da indústria de mineração. Minha proposta é o desenvolvimento de um cimento sustentável que utiliza um resíduo do processo de beneficiamento do Caulim, que é uma argila branca formada essencialmente por materiais sílico-aluminosos. Este material é amplamente utilizado pela indústria do papel, indústria cerâmica, pigmentos em tintas e refratários, entretanto, o processo gera resíduos (como o lodo de caulim) que são depositados em barragens ou lagoas de decantação na Amazônia, gerando impactos ambientais. Desse modo, a partir do tratamento térmico do lodo de caulim é possível produzir um material com propriedades reativas que o tornam adequado para produzir cimentos com características tão boas quanto o cimento disponível no mercado.”
Segundo o professor Vitor Freitas, que já vem desenvolvendo sua pesquisa há um bom tempo, esse reconhecimento dá forças para continuar em prol da sustentabilidade do Brasil e do mundo. “Essas moléculas encontram ampla aplicação no nosso dia a dia como em cosméticos, medicamentos, produtos de limpeza, plásticos etc. O objetivo é diminuir nossa dependência do petróleo, que é a principal origem dessas moléculas atualmente, em busca de um futuro com produtos ambientalmente corretos”, explicou o vencedor de Belo Horizonte.
Prêmios extras — surpresa para os vencedores
Pela primeira vez, o DAAD está oferecendo neste ano um bônus aos vencedores de alguns FWL pelo mundo, conforme o perfil dos candidatos: o Prêmio de Empreendorismo. “Tanto o vencedor de Fortaleza quanto o de Belo Horizonte foram agraciados com o prêmio, que dará a eles a oportunidade de estender em uma semana a estada na Alemanha para uma Innovation Week em uma universidade alemã, conforme a área de conhecimento de cada um deles. A programação prevê encontros de networking, treinamento de pitch, workshops de prototipagem e propriedade intelectual, consultoria individual e muito mais. O objetivo é potencializar a possibilidade destes jovens pesquisadores desenvolverem empresas próprias a partir do fruto de suas pesquisas”, explicou Marcio Weichert, coordenador do DWIH São Paulo.
Ao todo, 103 pessoas de todo o Brasil inscreveram-se para os FWL de Belo Horizonte e Fortaleza. Para a etapa cearense, 16 foram convidados e, para a mineira, 15. Cada um fez uma apresentação de três minutos, em inglês. Compostos por especialistas da academia, da imprensa e do ecossistema de inovação, os júris avaliaram os candidatos com base em três critérios: o quanto a ideia é inovadora, qual seu impacto e relevância, e o quanto a apresentação foi clara e convincente.
Charlotte Grawitz, representante da EURAXESS no Brasil e jurada em Belo Horizonte, ficou surpresa com a variedade dos temas e com o fato de ter pesquisadores de diversos momentos acadêmicos (graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado). “Até nos premiados essa diversidade acadêmica foi evidente. Esse fato é essencial e encorajador, pois mostra a importância de se comunicar a ciência, independente do grau acadêmico do pesquisador. Todos têm oportunidade”.
Por dentro do FWL Belo Horizonte
A etapa de Belo Horizonte foi a que recebeu o maior número de inscritos (83), em comparação as outras edições do Falling Walls Lab em todo o continente americano. Além disso, foi palco de mais uma novidade: o inédito Prêmio do Público. Durante o evento, que foi transmitido ao vivo, tanto os internautas, quanto a plateia presente puderam escolher a proposta mais inovadora. Com 33% dos mais de 460 votos, a vitoriosa na opinião do público foi a professora e pesquisadora Maria Clara Starling, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG, com a ideia “Breaking the Wall of a Antimicrobial Resistance”, que propõe a aplicação de processos oxidativos solares no combate à resistência antimicrobiana e tem como objetivo desenvolver uma tecnologia de baixo custo para a eliminação de bactérias e genes de resistência do esgoto. Starling foi também a terceira colocada no concurso.
O segundo lugar ficou para Júlia Cordeiro, também da UFMG, com a proposta “Breaking the Wall of landfill leachate treatment”, que foca no tratamento de águas residuárias, provenientes do descarte inadequado de rejeitos ricos em nutrientes (nitrogênio e fosfato) como o esgoto e lixiviados de aterro sanitário e agrícola. Seu objetivo é atenuar as chances de eutrofização de corpos hídricos (concentração de matéria orgânica acumulada nos ambientes aquáticos), que é um problema global que coloca em risco a existência de espécies aquáticas e a saúde humana. O projeto contribui, portanto, com a preservação da vida aquática e da saúde pública.
“O que mais me chamou a atenção no FWL Belo Horizonte foi que, além de acontecer pela primeira vez fora de São Paulo, o momento foi marcado por muitas propostas inovadoras, baseadas em pesquisas científicas bem apuradas e diversificadas, enquanto nas edições anteriores dominavam as criações de aplicativos ou outras ferramentas ligadas aos meios virtuais. Também destaco o fato de que, entre os três mais bem qualificados, houve duas mulheres. Fiquei feliz com este resultado e em saber que o empreendedorismo científico no Brasil tem cada vez mais a presença feminina”, comentou Martina Schulze, diretora do DWIH São Paulo e do DAAD, que também foi jurada no FWL Belo Horizonte.
Na capital mineira, o concurso, que também se destacou por contar com metade do júri feminino, foi promovido pelo DWIH São Paulo, em parceria com o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), EURAXESS Brazil, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sede) do Estado de Minas Gerais, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e a editora científica Springer Nature.
Por dentro do FWL Fortaleza
Leitora do DAAD na UFC e organizadora do FWL Fortaleza, Dra. Reseda Streb, falou sobre a importância dessa edição que deu visibilidade a trabalhos e pesquisas que estão sendo realizados no Norte e Nordeste do Brasil. “A realização do FWL por aqui nos motiva para que nossos estudantes e pesquisadores tenham cada vez mais acesso a rota brasileira da ciência e da inovação rumo a uma internacionalização. O impacto social das pesquisas foi para mim surpreendente e tenho certeza que o evento abrirá as portas para que esses pesquisadores se projetem para o mundo. Estamos realmente orgulhosos de que esse ano pudemos contar com o concurso em Fortaleza!”.
O segundo lugar da etapa em Fortaleza ficou para o pesquisador cearense e doutor em Biotecnologia, Felipe de Sousa, da UFC, com a proposta “Breaking the Wall of biomaterials for wound healing”. Seu projeto é sobre biomateriais e tem como objetivo acelerar o processo de cicatrização de feridas crônicas em pacientes que ficam muito tempo acamados durante tratamento hospitalar.
Já a terceira colocação foi para a doutoranda Ana Flávia Laureano, da Universidade Federal do ABC, com a ideia “Breaking the Wall of skin diseases”. Com a proposta de aliar biologia molecular e nanotecnologia, o projeto foca em uma solução para a falta de regulação da enzima (calicreína tecidual humana 7), responsável por doenças de pele como psoríase e síndrome de Netherton. Caso venha a se tornar uma formulação/medicamento, o projeto pode ser uma revolução na vida dessas pessoas, já que o tratamento atual é paliativo e não existe cura, nem tratamento efetivo.
Em Fortaleza, o concurso foi organizado pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) em conjunto com o Centro Alemão de Ciência e Inovação (DWIH São Paulo), em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade Estadual do Ceará (UECE), EURAXESS Brazil, a Universidade de Fortaleza (Unifor), a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha do Ceará (CCIBAC) e a Casa de Cultura Alemã (CCA).
Rumo à final em Berlim
Micael e Vitor ganharão do DWIH e da Falling Walls Foundation (FWF) passagem aérea e estadia para viajar à Alemanha para defender sua ideia entre 100 concorrentes na etapa mundial, em Berlim, no dia 8 de novembro. Os três primeiros colocados da final berlinense terão a oportunidade de apresentar sua proposta no dia seguinte na Falling Walls Conference. Independentemente do resultado na etapa final do FWL em Berlim, os dois representantes do Brasil, bem como todos os 98 dos demais países, poderão assistir à Falling Walls Conference. Cientistas de renome internacional irão ministrar palestras sobre pesquisas de ponta para uma plateia composta por lideranças globais da ciência, negócios, política, arte e sociedade.
Além do concurso e da conferência, os vencedores brasileiros poderão participar, antes, na Alemanha, de um treinamento de pitch e de atividades da campanha Research in Germany, do Ministério da Educação e Pesquisa (BMBF), que deverá incluir a visita a centros de pesquisa e empreendedorismo em Berlim.
Os dois ainda terão a chance de visitar uma instituição de pesquisa ou inovação de sua livre escolha em qualquer país da União Europeia, graças ao prêmio adicional da EURAXESS Brazil. Para Grawitz, esse prêmio é uma oportunidade de networking e desenvolvimento profissional. “Como a EURAXESS promove a mobilidade de pesquisadores, sabemos que, quando alguém faz uma temporada na Europa, tem a chance de construir uma rede de contatos que influencia de forma única sua vida profissional. Queremos dar essa oportunidade aos vencedores para que possam descobrir novas possibilidades, além de projetarem suas ideias e pesquisas internacionalmente.”
Sobre a Falling Walls Foundation
O concurso e a conferência são uma iniciativa da Falling Walls Foundation, instituição alemã sem fins lucrativos que promove discussões sobre pesquisa e inovação, divulgando as descobertas científicas mais recentes para um público amplo de todas os segmentos da sociedade. Criada no 20º aniversário da queda do muro de Berlim, a Falling Walls Foundation foi inspirada por este acontecimento histórico, a questão central de cada encontro promovido pela Fundação é: quais serão os próximos muros (da ciência e tecnologia) a cair e transformar o mundo?
por Ana Paula Katz Calegari