Parceria entre instituições de ensino alemãs e brasileira tem estudo publicado na revista Nature
Imagine que você encontre uma moeda no quintal de sua casa. Ao examiná-la mais atentamente, percebe que pode se tratar de um mini tesouro que te abre portas. Guardadas as devidas proporções da comparação, foi mais ou menos isso que aconteceu com o cientista brasileiro Eduardo Bedê.
Quando começou a estudar cristais de nanomateriais, o pesquisador não imaginava que, dois anos depois, chegaria a um resultado revolucionário. Junto a pesquisadores da Freie Universität Berlin e da Universität Hamburg, o chefe do departamento de física da Universidade Federal do Ceará (UFC) descobriu o que pode ser o pontapé inicial para o desenvolvimento de computadores fotônicos – mais velozes e com máquinas que esquentariam menos do que as atuais.
Bedê é especialista em nanomateriais – objetos de comprimento entre 1 e 100 nanômetros cujas propriedades são estudadas e modificadas dependendo de seu tamanho. Para efeitos comparativos, um fio de cabelo tem espessura aproximada de 70 mil nanômetros.
Com o objetivo de estudar nanotubos de carbono e grafeno, materiais leves e excelentes condutores, o grupo de pesquisa fez um experimento posicionando o grafeno sobre cristais de ouro e emitindo luz por cima. “A ideia era usar a interação da luz com o ouro como um intensificador do campo elétrico para estudar os dois nanomateriais”, revela Bedê sobre o foco inicial do estudo. “Mas, depois, percebemos que esses materiais interagem com a luz em uma intensidade e eficiência nunca antes observadas”, frisa. Esses resultados foram parar na renomada revista Nature.
Desenvolvimento da pesquisa
Nessa parceria, a Universität Hamburg forneceu as amostras para a pesquisa, a FU Berlin realizou os experimentos, e Eduardo Bedê e o então doutorando Bruno Gondim, da UFC, se responsabilizaram pelos modelos teóricos computacionais que explicariam os resultados práticos.
Na maioria dos sistemas, a luz e o elétron têm, separadamente, altos níveis de energia, mas interagem de forma fraca. No caso do estudo, o ineditismo está ligado a uma interação nunca antes observada entre a luz e os elétrons [das bolinhas de ouro], que torna impossível interpretá-las de maneiras separadas. “Esse nível de interação faz com que as propriedades e o comportamento [do sistema] sejam completamente diferentes”, conta o físico. É semelhante ao que acontece com uma molécula de água. Oxigênio e hidrogênio têm, cada um, suas próprias características, mas quando se unem e viram uma molécula de H2O, essa passa a ter novas propriedades.
Computação fotônica
Nos computadores de hoje, temos muitos elétrons indo de um lado para o outro, o que gera um aquecimento da máquina. A massa dos elétrons também limita a velocidade de processamento dos dados.
A partir do estudo, observou-se que, uma vez criada a nova partícula entre luz e cristais, o sistema deixa de interagir com os elétrons. Em princípio, isso dissiparia bem menos energia (aqueceria menos os computadores), e a velocidade dos dados poderia ser maior, já que a massa que a luz adquire é menor que a dos elétrons.
Aplicações previstas
Sobre outros possíveis usos, Bedê responde abertamente que muita investigação e estudos são necessários. Filtros ópticos ou o uso do sistema como fotocatalisador são algumas das opções além da computação fotônica – cuja aplicação ainda é especulativa, embora promissora. “Descobrimos algo totalmente novo. Agora, o céu é o limite, mas, ao mesmo tempo, ainda não sabemos até onde vai esse céu”, compartilha o pesquisador.
Próximos passos
Os cientistas agora pretendem estudar e criar novos nanomateriais com propriedades maleáveis. Os pesquisadores de Hamburgo já estão tentando desenvolver a técnica para a fabricação de novos cristais que terão as propriedades calculadas pela UFC. “A ideia é modificar a configuração do sistema para encontrar novas propriedades”, completa Eduardo Bedê, que, junto aos grupos liderados por Stephanie Reich, da FU Berlin, e Florian Schulz, da Universität Hamburg, aguarda o resultado deste novo projeto submetido à Sociedade de Amparo à Pesquisa (DFG).
O artigo publicado na Nature está disponível em https://www.nature.com/articles/s41586-020-2508-1.
Por Beatriz Gatti