Água, energia e comida: um nexo sustentável para as cidades
Estudos no Brasil e na Alemanha indicam que reutilização de recursos está no centro das respostas para as cidades mais sustentáveis no futuro
De acordo com projeções da Organizações das Nações Unidas (ONU), em 2050, mais de 9 milhões de pessoas habitarão o planeta – em 1927, essa parcela era bem menor, contabilizava dois bilhões. Como o nível de recursos naturais não acompanha esse crescimento, especialistas indicam que o comportamento consumista adotado hoje precisará ser revisto.
Neste contexto, nasceu na Europa, em 2011, a abordagem do nexo água-alimento-energia (water-food-energy nexus) que busca balancear, de forma sustentável, diferentes recursos e interesses populacionais, mantendo a integridade do ecossistema. Exemplos de projetos com essa abordagem foram apresentados no quarto e último dia do 9º Diálogo Brasil-Alemanha de Ciência, Pesquisa e Inovação na sessão “Water-Energy Nexus in Cities”.
“A reutilização de água é uma grande oportunidade na concepção da abordagem água-alimento-energia”, indicou Daphne Keilmann-Gondhalekar, líder de um grupo de cientistas da Universidade Técnica de Munique (TUM) que estuda a correlação dos temas na capital da Baviera. A pesquisadora explica que, a partir do reuso da água, é possível produzir energia, metais, bioplástico e até antibióticos. “No entanto, poucas são as cidades e nações que observam essa chance. A Alemanha, por exemplo, reaproveita apenas 1% da água”, apontou.
No estudo conduzido por Keilmann-Gondhalekar em Munique ficou claro como o planejamento urbano integrado pode ajudar as cidades a explorar as sinergias potenciais e a mitigar as mudanças climáticas. Ao aplicar a abordagem no bairro de Maxvorstadt, descobriu-se que a agricultura urbana intensiva na área poderia atender a 66% da demanda local por frutas e a 246% da demanda local por vegetais. E mais, a reutilização e a coleta de água da chuva representam uma economia de 26% no suprimento de água da região; a geração de biogás (a partir do esgoto) simbolizaria uma economia de 20% no suprimento atual de eletricidade local.
Novos hábitos sociais
“A ciência é a nossa maior arma para um mundo sustentável de baixo carbono. Mas a ciência age no seu próprio tempo, seguindo passo a passo e confrontando a verdade o tempo todo”, afirmou José Antônio Perrella Balestieri, professor do Departamento de Energia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). O docente está à frente de um projeto patrocinado pela Fapesp sobre a abordagem água-alimento-energia em Guaratinguetá, cidade do interior paulista.
Iniciado em 2019, o estudo ainda é preliminar e foca no trabalho de reuso da água de esgoto. “O dejeto é também matéria-prima para o combustível renováveis”, frisou Balestieri. Em sua apresentação, o professor falou sobre o complexo nexo entre os três elementos que pode conduzir a sociedade ao baixo consumo de carbono.
“O sucesso da abordagem depende de algumas transformações sociais como eliminar o desperdício, racionalizar os recursos (humanos e materiais), reutilização de materiais na produção de itens de consumo, redução de transportes de pessoas e produtos e a diminuição do consumo”, elencou.
Entram nesse contexto práticas que ainda estão sendo estudadas como hortas urbanas e comunitárias, criação de áreas verdes urbanas, uso de energias limpas (de biomassa), reuso da água de esgoto e de chuva e até a dessalinização da água.